segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Todo dia 7, 17 e 27 vejam na internete o blábláblá do Zetti

FRANÇOISE,  A MAITACA
(ou um tributo à liberdade)
De Zetti Nunes

Os papagaios queriam ouvir da própria Baitaca (é outro nome aqui no Sul), a história que corria de boca em boca, isto é, de bico em bico. Enfileiravam-se nos “gaios”: papai-gaios e mamãe-gaias, mãe-tacas, pai-tacas, um casal de Araras, Tirivas, Caturitas e outros primos, e Sabiás que ali já estavam.
Esta é a minha saga, começou ela.
O ninho onde nasci se pendurava numa rocha ou penhasco ao lado da Gruta do Monge na Lapa (PR).
Acordei e me assustei com um vulto. Não era Gavião de garras e sim um homem que me agarrou. Levou-me para sua casa, colocou-me numa gaiola, me deu comida, mas eu pensava na angústia de minha mãe ao sobrevoar e não me achar no penhasco. Senti medo e asco dos humanos. Sem floresta, só um poleiro me resta.
Nada mais!
Onde estão meus ancestrais?
Perguntou Françoise...
Todos emocionados balançaram os galhos ao baterem as asas como se palmas fossem.
Certo dia, veio na casa um homem que me olhou com grande compaixão. Pena de mim e pena verde e leve. Supliquei: — leve-me daqui... Disse ele: — meu louro, pés de prata e bico de ouro teu verde significa esperança o meu é verde de raiva. Cada vez que aqui vier vou tentar te comprar, reze para São Francisco.
Vi o retrato do santo na sala, com um pássaro no ombro e clamei: liberta-me “quea será tamem”. Até que o homem que eu confundi com um Gavião me deixou ir com esse outro, que tinha a barba igualzinha a do São Francisco. — Seria Ele, pensei! Lá fui eu para uma nova casa maior e ainda ganhei um nome: “Françoise”. Deixando-me assim uma extensão da família.
Ali não haviam estilingues e os pássaros todos livres comiam pelas frestas da minha gaiola. Dizia eu pra eles: não me zango, podem comer do meu rango.
Quanto ao Gilmar — esse é seu nome — não come nem explora bichos, seu coração está cheio de bichos vivos — (bateram asas). Na escola de seu filho, havia um viveiro de pássaros muito maior que minha gaiola e para lá me levou aquele mano-humano. O vigia da escola me levava para passear, mas me fazia voltar. Gilmar, decerto com uma intenção secreta incentivava o vigia a me dar mais liberdade. Eu arriscava pequenos voos no gramado que se confundia comigo como se fosse a minha extensão, o que me fazia se perder na magnitude verde do próprio verde.
— Que me desculpem as cores outras, mas o verde é e sempre será fundamental. Interveio um Sabiá: confirmo, mas noutro sentido. Que me desculpe o amarelo-maduro das frutas e de mim, mas continuar verde-pintainho é o essencial penso assim.
Um outro papagaio papagaiou: — não sabia que esta sábia Sabiá sabia mais do que eu já sabia.
— Continue Françoise papagaiou a Rita, quero dizer uma Caturrita.
Um bando de Maitacas as vezes sentavam ali num Cinamomo e me convidavam a ir com elas. Certo dia perguntei: ir para onde? Um “Maitaco” poeta retrucou: — venha comigo por essa imensidão que se chama vida! Ele é este que está aqui ao meu lado. Gilmar chamava esta do meu lado de Françoise que é “mon amour, ma belle, ma femme” (sorriu e todos mais uma vez bateram as asas).
— Eu estava impaciente para voar. A aragem da manhã me deu coragem. Eu tenho a força, repetia para mim mesmo; São Francisco quero voar e pousar no teu ombro; abre tuas asas verde sobre mim oh liberdade!
Voei! — meio bamba, mas voei... que sensação! Misturei-me ao bando, mas este poeta aqui me achou e disse-me: — voando ao teu lado estou encantado! Fui eu quem te falei da imensidão. Gratidão, respondi. Senti de um humano, compaixão e paixão de um Baitaco.
Baita paixão destaco, disse o Baitaco!
Uma amiga do mano-humano lá do viveiro, mandou-me um pombo correio com um bilhete no bico. Sei de cor: “Oi Françoise. Gilmar quando soube que você voo para a imensidão gritou: bye-bye!—Baitaca, e chorou feliz!—”. Eu já sabia pensei: — ele é um homem bom, tão bom que desconfio que não é um ser humano, mas um anjo disfarçado cujas asas brancas foram tingidas de verde.
Esta é a minha versão e a minha história. Uma baita aventura desta Baitaca venturosa. — Obrigada! Pingavam dos galhos lágrimas de orvalho. Não findava o bater de palmas, quero dizer, de asas. Em reverência elegante Françoise inclinava a cabeça e se inclinaria até ao chão se possível fosse. Gratidão! — Repetia.
Este escritor finaliza: os papagaios são longevos por isso nossa heroína ainda vive. Foi convidada pelo casal de Araras a ir fazer palestras na Amazônia, e para lá foi.
Entre outras coisas alerta às aves bonitas “que se vestem de glória mais que Salomão”: em toda parte os humanos nos cobiçam, até fora de seus países limítrofes porque sua crueldade não tem limites. Há “porém”, honrosas exceções. Gilmar neste caso é um baita amigo das Baita-cas e de tudo que é bicho.
(Só mais um baita: Gilmar é um baita amigo desse contador de história).

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