terça-feira, 18 de setembro de 2018

E Agora, José?

E Agora, José?
Zetti

A eternidade não é um tempo sem fim, mas o não-tempo ou tempo nenhum.
Num sentido lindão, vamos perder tempo, conversando agora, justamente sobre o agora?
Sem tempo, quero dizer rápido, façamos o acesso ao não-tempo.
Só morrendo, dizem. Isso mesmo, morrendo para o tempo.
É quando estamos por inteiro no presente e jogamos do avião, as pesadas traias do passado.
Passado e futuro é tic-tac do relógio. Psicológicamente acumulamos o passado no presente e o jogamos para o futuro. Nada de novo portanto.
Vazios do passado o tic-tac do pensamento cessa, o relógio memorialista para.
A meu ver é esse ver, o verás viver. Se vivessemos assim, seria um incessante renascer de que fala Jesus. Seria uma vela acesa que levo nas mãos na noite dos tempos.
A vela ilumina este agora-cantinho da casa e não tropeço na memória que, por sua vez poderá acordar o pensamento e este, o ego.
Entendimento é não estar apegado ás palavras, incluso as minhas. É assim que me livro do livro do Zetti!
Jogo do avião o Oriente e o Ocidente místicos e míticos, representados pelo Bhagavad Gita, a "Doutrina Secreta" (Helena Bravatski) e a Bíblia. A doutrina secreta é umas três vezes maior do que a Bíblia. Todos os três é preciso um avião de carga!
Se estes livros, inclusive os meus, ajudaram ou não ajudaram, a eternidade é este instante de luz, que não tropeça na forma.
Há uma tradição de se colocar uma vela na mão de quem está no estertor da morte.
Aqui pra nós acesa a vela do instante, morremos para o passado e renascemos e adentramos no portal de uma outra dimensão: o eterno presente.
A raiz da palavra baboseira de certo vem de babar! As pessoas ditas espirituais, chegam a se babar de tanta convicção dessas passadas letras mortas. "A letra é morta, o espírito é que vivifica" (2 Coríntios 3).
Urge passar pelo crivo deste agora vivo. Aí, não é baboseira.
Este agora sem ontem é comparável a uma tradução da tradução. Sem "background". Vivendo este já, comparo com as palestras que as pessoas colocam um fone no ouvido. É tradução instantânea e sem "ipsis literis". Para você que me lê, é tradução, da tradução, da tradução.
Quem mastiga bem meus escritos, digere simplesmente "Somos 1".
É dessa fonte que brota a beleza de amar todos os seres.
Caramba! - Tá tudo aí embutido!
Que mais resta? - Resta sair por aí, amando.
Não é simples? Não é lindo?
Meu Deus do céu: pra que tanta baboseira pelos séculos dos séculos amém!?
Podemos, com um simples acento agudo no "e" do título: "E Agora, José?", mudar o sentido:
É agora, José!

Todo dia 07, 17 e 27 veja o blá blá blá do Zetti na internet.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

"Como estamos em meio a festa da família Serpa, estes textos são para que conheçam um pouco sobre a casa da vó Salustiana."

O Menino e o Pinheiro

O Menino e o Pinheiro
(Zetti)


Era alto, muito alto. Bem de frente a casa de minha avó. Era bonito. Na copa, seus longos galhos formavam uma majestosa umbela sob o céu daquele sítio bucólico. Os longos galhos eram como braços ao vento, querendo abraçar tudo.
O Pinheirão parecia saber quem era eu. Olhava lá de cima o menino sensível, sempre grudado na saia de sua avó.
Dona Salustiana, enquanto regava sua horta, falava com as salsinhas e cebolinhas.
O menino que tudo observava tentou, por sua vez, conversar com o pinheiro, bem maior que as plantinhas de sua avó.
Menino de cinco ou seis anos, Pinheiro de cento e tantos, amigos, agora e interlocutores.
O menino tímido, mais ouvia que falava. Seu amigo contava histórias que o vento lhe passava. 
Brisa que vinha do Norte, do Sul ou da Europa pós-guerra. Dizia ele que os humanos matavam, não só os porcos ali do chiqueiro, mas se exterminavam entre si.
E toda vez que o menino via matarem porcos, pensava: eles estão treinando para matar gente.
O pinheirão, enternecido com o amigo, dizia: você é um bom menino. Queria que você visse daqui de cima, nos meu braços, as matas, enquanto são belas. Porque os humanos irão arrasar com tudo , em nome do progresso.
E quando você voltar aqui, não mais estarei. Você vai chorar porque eu sei, és meu amigo. E és um bom menino.
Sua avó morrerá aos noventa anos, naturalmente, como uma vela se apaga. Docemente como um anjo.
Quanto a mim, parece que já escuto o barulho da serra. O vento me avisou das serrarias aqui perto. Mais dia, menos dia, tombarei como um gigante ensanguentado. Mas lembrarei do amiguinho. Você é um bom menino, repetia, para me consolar.
Mas até hoje não há consolo para este coração que não se arreda de lá. Continuo um menino inconsolável para sempre.
Fotografia do amigo, tábua, suvenir, nada me conforma. Clone também não. Clone não é amigo ressuscitado.
Vinícius naquela época, bem disse: “ As árvores choram (...) quem morreu? ” Vinícius te respondo: as florestas morreram.
Na mesma época, em Porto Alegre uma árvore chorava, porque sabia que uma serra da prefeitura a derrubaria. Então um jovem sentou-se em seus galhos ou colo e de lá não saiu. O povo o apoiou e a árvore foi salva.
Querido amigo Pinheirão: eu sei que você também me pegaria no colo naquela hora trágica e eles não te derrubariam.
Mas você estava só e caiu pesadamente junto a cerca. O chão tremeu e alguns bichos saíram de suas tocas assustados. E meu coração até hoje bate forte, quando imagina o amigo estendido no chão. As curicacas quando chegaram para pernoitar nos teus galhos, sobrevoaram no vazio.
Covardes! Devolvam meu amigo, por favor!
Amigo também dos porcos, do alto jogava pinhões para eles enquanto me contava histórias do vento. E com ternura, repetia:  você é um bom menino! Devolvam meu amigo, os pinheirais e as florestas luxuriantes do sudoeste do Paraná. Devolvam os rios da minha infância onde nas tardes de verão íamos nadar.
Rios de águas claras, azuis como os olhos da vizinha, Bela e Santa Catarina. 
E que dizer dos porcos mortos que poluíram os rios? É um outro rio! Um rio... de sangue! 
Ali bem perto na Sadia, desde minha infância, quantos porcos morreram? Dá pra fazer um rio... Um rio de sangue! Uma Lagoa Vermelha! Um Mar Vermelho.
Desaguam ali, o sangue de todos os animais, de todos os lugares e de todas as épocas.
Arrogante ser humano, que se auto intitula rei do planeta e é inimigo número um dos viventes que aqui moram, inclusive de si próprio.
Queria eu, abrir o coração dos humanos, mas sou infantil. Um menino que ama errado:
Ama pinheiro.
Ama sapo.
Ama formigueiro. 
Porco.
Cobra coral que atravessa a estrada.
Lagarto.
Besouro chamado vira-bosta.
Amava desvirar o besouro quando esperneava no ar.
Amava as curicacas quando sobrevoavam, piando, para pernoitar nos galhos do pinheirão.
Amava escutar o vento e os galhos a dançar e o pinheirão a contar histórias do vento e depois finalizava: continue um bom menino! E o menino continua até hoje desvirando besouros. Até já escutou um desses a dizer: Obrigado! Bom menino que és!
Besouro que ama o estrume seco da vaca. 
Estrume que ama enriquecer a mãe terra. 
Mãe terra que ama dar vida ao pinheirão. 
Pinheirão que ama o menino.
Menino que cresceu e continua chorão. E agora ama errado até as mulheres: 
Mulheres mais novas que ele. Não tem remédio!
E não tem remédio, a falta de um amigo. No meu caso é o gigante que caiu ensanguentado.
O meu coração ainda está lá. O menino continua lá trepado na cerca, olhando para o vazio deixado na mata. E o vazio dentro dele.
Embargo minha voz, se digo de novo, seu nome. Mas vocês se lembram. 
É aquele - maior que as salsinhas e cebolinhas falantes da minha avó. Maior que “Meu Pé de Laranja-Lima falante do José Mauro de Vasconcelos”.
É aquele grandalhão e velho amigo que me contava histórias do vento. Vento antigo, testemunha ocular de tempos remotos.
Histórias do tempo... e do vento.
E lembrando uma velha música, pergunto:
“Vento, diga, por favor, aonde se escondeu o meu amor”.

Vó Salustiana - Lembranças

Vó Salustiana - Lembranças
(Zetti)

Para quem vinha do sítio da vó Salustiana em direção da casa do Dédis e Bega, passava pelo campinho hoje do Tonico.
Entre os pinheiros e barbas de bode, ziguezagueava uma estrada.
Ao entrar no mato, as ramagens e as taquaras por cima da estrada, formavam um túnel.
Quem se lembra? Lembrar é voltar.
Queridas primas e primos de 1º grau, de 2º grau, de 3º, de 4º, de 90º graus:
Convido-os a voltar comigo, no túnel... do tempo!
O menino Zetti, com 6 ou 7 anos, estava lá, no sítio da sua avó.
A casa não era a mesma postada na internet e que foi feita pelo Dorvalino e o “Padim Ligório” como o chamava o Maneco.
Na mais antiga, havia uma parte ainda mais antiga onde se distribuíam os quartos.
Vovó Salustiana, viúva, ainda dormia na cama de casal. No outro telhado unido a este por uma “bica”, estava a cozinha com o fogão a lenha. Num canto da sala, a rede onde namoravam tio Zico e tia Vergínia.
E num canto qualquer, o banquinho redondo, de três pés e por todos sabido: era o banquinho da Vó Salustiana.
A máquina para fiar lã era do último tipo, pois até Tia Mila manejava e pedalava uma igual.
Lá não havia ainda a máquina de moer milho, mais moderna ainda!
Conta-se a história de dois compadres, um Serpa e outro Almeida, que moravam nos cafundós.
Um disse para o outro: - Ouvi falá lá em Parma que daqui há vinte anos, os americano vão pra lua. O outro respondeu: - Cumpadre, depois que inventaram a máquina de moê mio, que vi na Fazenda Cachoeira, não duvido de mais nada!
Zetti era o “dodói” da sua Avó, pelo menos no ano feliz que lá passou. 1949, talvez.
O menino fez confusão com tia Picucha e as hortências do jardim. Ortência? Seria o apelido da Tia Picucha?
Num domingo à tarde, o menino não foi muito feliz: ao pular uma cerca, quebrou o braço e abriu a guela no mundo! Ainda bem que passava uma médica ortopedista. Vou dizer o nome completo dela: Doutora Salustiana Linhares Serpa.
Fulano, vá buscar uma taquara!
Com os talos de um gomo, pano e sal, fez uma tipoia. Vó Salustiana desentortou o braço como uma mestra enviada por Deus.
Vai doer um pouquinho, disse, mas não doeu. Até quando quebrou, não doeu nada.
Mas então, o que me fez chorar? Confesso hoje: foi olhar o braço torto!
Parecia o bico torto do louro na gaiola que imitou meu choro e todos riram. Quanto mais riam, mais o louro zombava de mim! Até que o menino riu e chorou ao mesmo tempo. Tragicomédia inesquecível!
O cachorro vira-mato era um vira-lata imune ao veneno de cobra, de tantas que o morderam.
Era verão. Zetti, ponha um chapéu e vá lá no seu Otávio pra mim! Como andava descalço, Vovó sempre dizia: cuidado onde pisa! Desta feita, quase pisei numa cobra coral que atravessou a estrada. Era muito bonita. Sua cor rubro-negra, contrastava com a relva. A camisa atleticana caia bem nela, não em mim.
Ao anoitecer, as curucacas piavam no pinheirão e as saracuras na beira do rio. Mais ao longe, os inhambus e o ronco misterioso dos bugios que dançavam São Gonçalo nos galhos de algum pinheiro. Vi a semelhança da dança quando já era seminarista, na fazenda do seu João Dias e Miloca.
Oh, São Gonçalo e São Francisco de Assis: protejam os bugios, agora sem pinheiros e sem florestas!
Zetti, depois que quebrou o braço, vivia grudado na saia da vó. Lá vem o “nariz de cheirar peido”, brincava ela, mas era só doçura sua voz.
Por sinal, tudo ali era doce: os bolinhos do forno em forma de marreco que a tia Picucha fazia só pra mim, o milho verde, o olho d’água, as parreiras, a batata doce, as amoras do mato, as ameixas e, naturalmente, o mel. Dezenas de caixas de abelhas mansas! Há apenas vinte metros da casa, começavam as fileiras de caixas e o zumbido peculiar.
Peculiar também, a batida do monjolo que, de graça e com graça moía os grãos. Horas e horas batia, assim como a criada Seissa no pilão.
Um pouco além do monjolo, um meio alqueire de campo do Manuel Santos e uma velha porteira que minha imaginação associa a duas músicas:
“O Menino da Porteira” e outra que não sei o nome.
O 1º verso é assim:
Adeus, porteira velha
Porteira do campo triste
Mais tarde cheia de flores
Alegre sempre me viste
Paródia:
Vovó Salustiana velha
Roseira que ainda existe
Linhares Serpa de flores
Em lindos botões te abriste
2º Verso:
Oh minha morena linda
Eu vou para não voltar
Não posso ver o teu canto
Não posso sem chorar
Paródia:
Vovó Salustiana linda
Um dia vou te encontrar
E então pedir tua benção
Para sempre vou te amar
Vira-mato latiu, latiu, latiu. Quem será? Seu Ozório estava de passagem por ali e havia dois portões para abrir.
Vamos apear, disse Tio Zico?
É a única lembrança que tenho daquele primo da minha avó. Pareceu-me revestido de certa dignidade naquele cavalo bem encilhado. Talvez o respeito do tio Zico por ele, me fez pensar assim. Mais tarde constatei que seu filho Dédis encilhava assim seu cavalo quando chegava em Santo Antônio no sábado. Para a Bega era o mesmo que ver seu noivo num carro zero Km!
Por falar em sábado, esse era o dia de tomar banho. Todo o sábado, sem exceção!
Os homens se banhavam pelados nas águas frias do rio caçador. As mulheres em água morna ou no dizer da vó, “quebradinha da frieza”. Era num gamelão.
Para os homens, banho brasileiro. Para as mulheres, o sofisticado banho “tcheco”.
Explico.
O menino não sabia como era aquele banho, mas escutava o barulho da água: tcheco, tcheco, tcheco!
Antes de sair deste túnel do tempo, lembro do belo costume de pedir benção que ainda está vivo em algumas famílias. Na fazenda do João, no Mato Grosso, é assim.
De manhã se o menino se esquecia, diziam: Dormimos juntos hoje?
Às vezes se contavam histórias de “visagens”. Mas o menino dormia feito um anjo, porque um outro anjo estava ali, na beira da sua cama.
Antes de dormir, tia Picucha me ensinava o “nome do Pai” e Vovó ria quando me atrapalhava nos gestos.
Depois vinha o “Santo Anjo” e em seguida a benção:
Bença vó, bença tia, bença tio!
Certo dia, Vovó foi me cobrir na cama e levou a vela de volta.
Então ouvi uns estalos na velha casa que me deixaram de cabelos em pé. Aí lembrei do Anjo da Guarda, esse mesmo que até hoje me acompanha.
De mãos postas por debaixo do acolchoado, balbuciei:
Santo Anjo do Senhor,
Meu zeloso guardador,
Se a ti me confiou,
A piedade divina,
Sempre me rege,
Me guarde,
Me governe,
Me ilumine,
Amém.