FRANÇOISE,
A MAITACA
(ou um
tributo à liberdade)
De Zetti
Nunes
Os
papagaios queriam ouvir da própria Baitaca (é outro nome aqui no Sul), a
história que corria de boca em boca, isto é, de bico em bico. Enfileiravam-se
nos “gaios”: papai-gaios e mamãe-gaias, mãe-tacas, pai-tacas, um casal de
Araras, Tirivas, Caturitas e outros primos, e Sabiás que ali já estavam.
Esta
é a minha saga, começou ela.
O
ninho onde nasci se pendurava numa rocha ou penhasco ao lado da Gruta do Monge
na Lapa (PR).
Acordei
e me assustei com um vulto. Não era Gavião de garras e sim um homem que me
agarrou. Levou-me para sua casa, colocou-me numa gaiola, me deu comida, mas eu
pensava na angústia de minha mãe ao sobrevoar e não me achar no penhasco. Senti
medo e asco dos humanos. Sem floresta, só um poleiro me resta.
Nada
mais!
Onde
estão meus ancestrais?
Perguntou
Françoise...
Todos
emocionados balançaram os galhos ao baterem as asas como se palmas fossem.
Certo
dia, veio na casa um homem que me olhou com grande compaixão. Pena de mim e
pena verde e leve. Supliquei: — leve-me daqui... Disse ele: — meu louro, pés de
prata e bico de ouro teu verde significa esperança o meu é verde de raiva. Cada
vez que aqui vier vou tentar te comprar, reze para São Francisco.
Vi
o retrato do santo na sala, com um pássaro no ombro e clamei: liberta-me “quea será tamem”. Até que o homem que eu
confundi com um Gavião me deixou ir com esse outro, que tinha a barba
igualzinha a do São Francisco. — Seria Ele, pensei! Lá fui eu para uma nova
casa maior e ainda ganhei um nome: “Françoise”. Deixando-me assim uma extensão
da família.
Ali
não haviam estilingues e os pássaros todos livres comiam pelas frestas da minha
gaiola. Dizia eu pra eles: não me zango, podem comer do meu rango.
Quanto
ao Gilmar — esse é seu nome — não come nem explora bichos, seu coração está
cheio de bichos vivos — (bateram asas). Na escola de seu filho, havia um
viveiro de pássaros muito maior que minha gaiola e para lá me levou aquele
mano-humano. O vigia da escola me levava para passear, mas me fazia voltar.
Gilmar, decerto com uma intenção secreta incentivava o vigia a me dar mais
liberdade. Eu arriscava pequenos voos no gramado que se confundia comigo como se
fosse a minha extensão, o que me fazia se perder na magnitude verde do próprio
verde.
—
Que me desculpem as cores outras, mas o verde é e sempre será fundamental.
Interveio um Sabiá: confirmo, mas noutro sentido. Que me desculpe o
amarelo-maduro das frutas e de mim, mas continuar verde-pintainho é o essencial
penso assim.
Um
outro papagaio papagaiou: — não sabia que esta sábia Sabiá sabia mais do que eu
já sabia.
—
Continue Françoise papagaiou a Rita, quero dizer uma Caturrita.
Um
bando de Maitacas as vezes sentavam ali num Cinamomo e me convidavam a ir com
elas. Certo dia perguntei: ir para onde? Um “Maitaco” poeta retrucou: — venha
comigo por essa imensidão que se chama vida! Ele é este que está aqui ao meu
lado. Gilmar chamava esta do meu lado de Françoise
que é “mon amour, ma belle, ma femme” (sorriu e todos mais
uma vez bateram as asas).
—
Eu estava impaciente para voar. A aragem da manhã me deu coragem. Eu tenho a
força, repetia para mim mesmo; São Francisco quero voar e pousar no teu ombro;
abre tuas asas verde sobre mim oh liberdade!
Voei!
— meio bamba, mas voei... que sensação! Misturei-me ao bando, mas este poeta
aqui me achou e disse-me: — voando ao teu lado estou encantado! Fui eu quem te
falei da imensidão. Gratidão, respondi. Senti de um humano, compaixão e paixão
de um Baitaco.
Baita
paixão destaco, disse o Baitaco!
Uma
amiga do mano-humano lá do viveiro, mandou-me um pombo correio com um bilhete
no bico. Sei de cor: “Oi Françoise. Gilmar quando soube que você voo para a
imensidão gritou: bye-bye!—Baitaca, e
chorou feliz!—”. Eu já sabia pensei: — ele é um homem bom, tão bom que
desconfio que não é um ser humano, mas um anjo disfarçado cujas asas brancas
foram tingidas de verde.
Esta
é a minha versão e a minha história. Uma baita aventura desta Baitaca
venturosa. — Obrigada! Pingavam dos galhos lágrimas de orvalho. Não findava o
bater de palmas, quero dizer, de asas. Em reverência elegante Françoise
inclinava a cabeça e se inclinaria até ao chão se possível fosse. Gratidão! — Repetia.
Este
escritor finaliza: os papagaios são longevos por isso nossa heroína ainda vive.
Foi convidada pelo casal de Araras a ir fazer palestras na Amazônia, e para lá
foi.
Entre
outras coisas alerta às aves bonitas “que se vestem de glória mais que
Salomão”: em toda parte os humanos nos cobiçam, até fora de seus países
limítrofes porque sua crueldade não tem limites. Há “porém”, honrosas exceções.
Gilmar neste caso é um baita amigo das Baita-cas e de tudo que é bicho.
(Só
mais um baita: Gilmar é um baita amigo desse contador de história).
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